Filmes de heróis de um país são comuns no mundo do cinema. Porém, tais heróis não costumam ser retratados no cinema nacional. E herói por aqui entende-se “aquele que se distingue por seu valor ou por suas ações extraordinárias” e “principal personagem de uma aventura, de um acontecimento”. Sem o juízo moral de valor do certo ou errado. Ou se está certo, ou se está errado. O ato de retratar um herói em tela e em um filme de ação não é comum. Mas Marighella nunca foi comum. E é na ação e no agir, que se revela esse filme de herói.
Dirigido por Wagner Moura (famoso por dar vida ao Capitão Nascimento em Tropa de Elite e por interpretar Pablo Escobar na série Narcos), o filme ambienta-se primordialmente em São Paulo, mas passeia pelo Rio de Janeiro e Bahia, retratando os momentos de revolução do professor, poeta, revolucionário e comunista Carlos Marighella. Desde o início denominado inimigo público nº1 do Brasil. A princípio sem apegar-se na biografia do começo ao fim, a obra é um recorte das ações derradeiras de seus personagens frente a uma ditadura militar já instaurada e recém consolidada. E por ser um recorte, dessa forma, tem um ganho na construção narrativa por prender o espectador em suas poderosas cenas de ação.
A construção da ação
Primeiramente, as trocas de tiros pulsantes, a câmera inquieta e o som cru, ambientam todo caos e toda necessidade de ação. Construir um filme desse gênero não é tarefa fácil com a forma independente que temos de fazer cinema. Não se tem os milhões que Christopher Nolan exige para um filme. Contudo, com os recursos que se tem em mãos, Moura conscientemente cria a atmosfera necessária para o público se envolver com a obra e com o gênero. Por som cru, entende-se algo “pouco maquiado”. Porém muito maquiado. Há um cuidado com foleys e ruídos diegéticos. As ambiências sonoras dos editores de diálogos e de efeitos são muito bem aplicadas, ora abafado, ora reverberado. Quase sempre muito “sujo”, num bom sentido.
Sobre a câmera, parece não sair nunca das mãos do fotógrafo Adrian Teijido. E por parecer não sair de sua mão, torna o espectador um personagem vivo em meio as ações da obra. Com destaque para os intensos planos sequencias que carregam o filme de forma única. Tudo isso intensificado numa montagem assinada por Lucas Gonzaga igualmente pulsante. Com cortes que aceleram, e falta de cortes que geram urgência.
Seus personagens
Assim também, os personagens precisam agir quase que o tempo todo. Além de Marighella, há também seus companheiros Branco (Luiz Carlos Vasconcelos), Humberto (Humberto Carrão), Bella (Bella Camero), Jorge (Jorge Paz) e demais. Todos envolvidos com a revolução e cada um com tempo de tela devido para serem exploradas suas particularidades. Há pais de família nesse meio, há estudantes que moram com os pais, há toda uma família envolvida com essas pessoas. E todos eles sofrem. Moura não poupa em retratar como eram realizadas as sessões de tortura. Elas curiosamente também eram pouco retratadas em tela e na obra é possível ter uma dimensão mínima de como os torturados sofriam.
Em paralelo aos já citados, há o detetive Lúcio homem sem escrúpulos muito bem interpretado por Bruno Gagliasso. É um personagem asqueroso e um símbolo de como eram boa parte dos que regiam o país nesta época tão turbulenta. Seu antagonismo intimida desde os primeiros momentos em tela, sendo intensificado cada vez mais. E apesar de ser o grande vilão, mantém sempre uma postura baixa, que casa com sua também baixa estatura diante alguns outros personagens. Já Seu Jorge, entrega um sempre emocionado Marighella. São poucas as vezes em que vemos o poeta sem lágrimas nos olhos. São lágrimas que passam raiva, mas também emoção. Por estar o filme todo sendo perseguido, é apresentado como um personagem sempre alerta. Que olha para todos lados mais de uma vez antes de atravessar uma rua. Atento e forte.
Seus pontos fracos
Entretanto, um dos pontos mais baixos da obra são algumas escolhas do roteiro. Os personagens falam mais do que agem em alguns momentos. E em muitas vezes transformam diálogos em discursos. O que pode pegar o espectador, mas há um deslocamento narrativo muito grande aí. Por mais que haja outros deslocamentos, como personagens que olham para a câmera. Tamanha verborragia causa um deslocamento muito mais desconfortável. Além disso, diminui o impacto de algumas poderosas atuações, como a de Adriana Esteves e a do próprio Seu Jorge.
Nesse ínterim a montagem também colabora com essa linguagem discursiva. Lucas Gonzaga faz questão de pontuar as reações do publico de Marighella em seus discursos. Aqui, há um certo maniqueísmo desnecessário à obra. Mas como ponto alto, fica os momentos em que os próprios personagens se assumem “terroristas”. É um momento que eles já não têm mais nada e contra-atacar é necessário. Ao passo que própria canção inicial do filme ilustra esse momento de virada. Monólogo ao Pé do Ouvido/Banditismo Por Uma Questão de Classe de Chico Science e Nação Zumbi, evoca os heróis que em suas épocas eram vistos como bandidos, tal qual Marighella.
Enfim, a resistência
Por fim, deslocando-se um pouco da linha narrativa do filme, Marighella é um filme que a princípio seria lançado no dia 20 de novembro de 2019, dia da consciência Negra. Porém desde então vem sofrido todos os tipos de boicote, culminando com seu lançamento neste dia 04 de novembro de 2021. Mas os boicotes ao filme não param. Voltando ao filme, uma canção resume brilhantemente o personagem e o filme de Wagner Moura: Memória de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata. Marighella foi um homem que lutou contra a ditadura. E já sabemos hoje o quão turbulento, violento e repressivo foi esse momento. Já sabemos quais foram os lados que sofreram nessa história. A “ameaça comunista” que culminou com a morte e tortura de muitos tem em Marighella uma visão histórica retratada em ação. A partir do ponto de vista de seu herói.
Ficha Técnica
Título: Marighella
Direção: Wagner Moura
Roteiro: Felipe Braga e Wagner Moura
Elenco: Seu Jorge, Bruno Gagliasso, Bella Camero, Humberto Carrão, Jorge Paz, Guilherme Ferraz, Ana Paula Rebouças, Luiz Carlos Vasconcelos, Henrique Vieira, Carla Ribas, Herson Capri e Adriana Esteves.
Distribuição: Paris Filmes e Downtown Filmes
Ano: 2021
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