Crítica – Medida Provisória: Quando gritar é preciso!

Crítica – Medida Provisória: Quando gritar é preciso!

Quando finalmente existe a esperança de conserto aos erros do passado, o anticlímax sucede uma tragédia à uma população que já sofre há mais de 400 anos. Num país avançado tecnologicamente e regresso politicamente, Lázaro Ramos transpõe em tela uma luta de anos em seu primeiro longa-metragem intitulado Medida Provisória.

Foto: Mari Vianna

GRITAR É PRECISO

A princípio, na trama, somos apresentados a Antonio (Alfred Enoch), Capitú (Taís Araújo) e André (Seu Jorge). Todos ocupando posições que ainda hoje é caro se ver pessoas negras em tela ocupando: Advogado, médica e jornalista, respectivamente. Moram juntos, se divertem juntos, discutem juntos. Até que o Governo, aqui representado por Isabel (Adriana Esteves), passa a dar uma oportunidade à população de “melanina acentuada”: Voltar para a África. Porém, o que antes era oportunidade, logo depois torna-se uma medida provisória que obriga todos de melanina acentuada deixarem o país.

A partir disso, um conflito se instaura no país e na trama. Quando os policiais decidem atacar e retirar todos os negros do país, Capitú está fora de casa e precisa lutar pela sobrevivência. Já para Antonio e André, a resistência tornou-se permanecer em casa. Dessa maneira, o roteiro consegue desenvolver bem os conflitos internos e externos dos personagens. Transita os protagonismos e revela um povo em busca de existência. Por mais dicotômica que seja a forma de resistência, há um recorte claro no roteiro e no que se é mostrado. A violência está do outro lado, para Antônio, André e Capitú, a resistência está nas palavras, no grito. E, da sua forma, conseguem expressar bem isso. Numa atuação segura e potente de cada.

NOSSO PAÍS, NOSSO LUGAR DE FALA

Enquanto a obra é embalada por um elenco majoritariamente negro, a trilha sonora não se distancia disso. Apresentando desde nomes como Baco Exú do Blues, Liniker e Elza Soares, até a trilha original (Plínio Profeta) com batuques que remetem a música tradicional africana. Ao passo que o figurino (Alex Brollo) também expressa um orgulho e uma resistência cultural, transformando esses personagens em certas divindades em tela. A direção de arte (Tiago Marques Teixeira) segue igualmente nesse caminho. Principalmente quando há uma união dessas forças de melanina acentuada. Há uma vibração e uma exaltação às cores e à cultura africana. E com a cereja do bolo que é a ambientação desse Brasil distópico, mas ainda palpável para nós. Lázaro Ramos consegue apresentar bem seus personagens nesses ambientes mesmo que com alguns excessos discursivos. Há um amadurecimento em toda direção, que surpreende em um primeiro filme.

Há também os enquadramentos e a montagem (Diana Vasconcellos) mais acelerados. Que se permitem ao “erro”, ao trêmulo, ao desfoque. Gera urgência e ansiedade ao espectador. Enquanto Antônio e André tentam a todo momento a sobrevivência, a câmera os acompanha e transforma o espectador em um personagem junto a eles. Adrian Teijido tem se mostrado um mestre nisso em se tratando de direção de fotografia. E essa urgência se faz muito presente também nos momentos de fala, que são os maiores momentos de resistência dentro da obra.

RESISTAM!

Nesse interím, talvez o filme peque em excessos de chavões e discursos, que podem ser advindos da peça em que o filme se baseia, mas que no cinema não funciona muito. O que de certa forma não atrapalha a potência da obra. Que mesmo com toda carga dramática, engloba também um bom humor até em cenas tensas. Em seu final, fica clara a principal mensagem: resistam! Por mais difícil que esteja, por mais penoso e prejudicial. Ainda há sombra no meio do clarão de um domingo de sol. E como a eterna Elza bem canta: Nosso país é o nosso lugar de fala. E não devemos esquecer nunca disso.

Avaliação: 4 de 5.

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