No gloriosamente rico anime Trese, não são apenas os humanos que cometem crimes. Quando a noite cai em Manila, seres mitológicos do folclore filipino despertam e cometem assassinatos, roubos e outras ofensas – e cabe a Alexandra Trese e sua equipe resolvê-los.
Um dos animes mais badalados da Netflix este ano, Trese é baseado na amada história em quadrinhos filipina criada por Budjette Tan e Kajo Baldisimo. Os dois também são showrunners da série ao lado de Jay Oliva (The Legend Of Korra), que a criou e desenvolveu para as telas.
Ao longo da série, Alexandra e os kambal (gêmeos) – seus dois assistentes com poderes sobrenaturais, Crispin e Basilio – trabalham com uma divisão da polícia de Manila para rastrear os criminosos macabros e resolver casos. Conforme a série avança, flashbacks revelam a história de sua família, como ela se tornou o lendário mandirigma babaylan (traduzido livremente como “xamã guerreiro”) profetizado por videntes e como as façanhas de seu pai como o executor anterior a deixaram em uma situação terrível.
O que o atinge imediatamente é a forma como a capital filipina é retratada na tela. Se você é um dos leitores de longa data que tem uma coleção de quadrinhos em preto e branco dos quais esta série foi adaptada, ficará surpreso que o anime apresenta Manila em uma cor linda e de alto contraste – um mundo neo-noir que fervilha com uma energia mais fantástica do que sua contraparte dos quadrinhos.
E se você tem interesse no folclore do sudeste asiático, então há muita diversão nos detalhes de Trese. Mas se você está entrando nessa aventura, sem nenhum conhecimento das muitas mitologias das Filipinas ou o que são aswang, tikbalang, nuno ou o todo-poderoso talagbusao, então você pode ficar confuso.
Os incríveis cruzamentos de fantasia e realismo de Trese obtêm a energia corajosa e a expansão de Manila, tornando o anime ao mesmo tempo natural e mágico. Os elementais anões da terra mantêm os humanos como animais de estimação. Elementais relâmpagos, mãos e olhos crepitando com energia bruta, possuem e dirigem empresas de energia. E os monstros predadores aswang têm seu próprio mercado úmido para carne humana ilegal – neste mundo, até os monstros precisam de um sistema fora da rede para seu sustento.
Os elementos folclóricos no cenário urbano da série e seus arcos de história são o que tornou os quadrinhos de Trese tão amados. No anime, esses elementos aumentam a vibração do realismo mágico: o contraste de árvores gigantes contra luzes de néon e elementais do vento sensuais flertando em corridas de rua ilegais será um paraíso visual para aqueles que apreciam esse sabor do gótico tropical.
Alexandra Trese está no centro de Trese com a melhor reação à loucura de sua Manila: temperamental, taciturna e desconfiada. É uma alegria assistir uma detetive sobrenatural que também é o executor dos “acordos” entre os reinos humano e sobrenatural.
A dublagem de Alexandra e, certamente, de todo o elenco da língua inglesa e filipina, é excelente. Ela é dublada pela celebridade Pinoy Liza Soberano em filipino, enquanto Shay Mitchell (famosa por Pretty Little Liars) dá vida à personagem na versão em inglês. Parece que quase todo o estrelato filipino-americano nos EUA trabalhou nisso – caramba, até Lou Diamond Phillips e a ex-Pussycat Doll Nicole Scherzinger estão aqui.
Através de cada episódio, somos tratados com flashbacks de uma jovem Alexandra e sua família, e como ela adquiriu seus assistentes kambal, ferramentas mágicas e aliados. Recebemos peças que tentam completar a imagem de um herói relutante e seu relacionamento complexo com seu falecido pai, Anton.
Tudo pesa sobre Alexandra, tanto que muitas vezes parece que ela se leva muito a sério, um Batman taciturno armado com magia ancestral e uma faca encantada. No entanto, ela não consegue desprezar o manto de dever de filha que seu pai impôs a ela depois de morrer.
E é aqui que a narrativa se distorce em sua própria inteligência. Vários pontos interessantes da trama e personagens aparentemente essenciais são minimizados ou subutilizados, e há linhas narrativas perdidas que não levam a lugar nenhum.
Por exemplo, o barman de Alexandra e empregado da família, Hank, é tangencial no anime, apesar de ser um personagem emergente nos quadrinhos. Alguns personagens da tribo aswang receberam grandes e importantes introduções, mas a série não os detalha – alguns são até mesmo mortos com muita facilidade. E o pior de tudo é o despejo de informações expositivas pelo verdadeiro inimigo da série, que tem que embarcar em um monólogo de 10 minutos apenas para tentar entender o que aconteceu nos últimos cinco episódios.
Há muita carne no material de origem de Trese, o que torna os buracos na trama ainda mais flagrantes. Esperançosamente, alguns deles serão conectados em uma temporada seguinte (que seus criadores já planejaram).
E apesar de toda a construção visual do mundo, não temos uma noção das regras que governam a magia em Trese – até mesmo o ritual xamânico que dá a Alexandra seus poderes é encoberto. Os limites e consequências de usar esses poderes não são claros e, como corolário, é quase como se Alexandra fosse simplesmente uma Mary Sue do sudeste asiático. Ela nunca está realmente em perigo mortal, e muitas vezes parece que não há riscos reais.
No entanto, Trese é uma opção privilegiada para assistir. Apesar dos soluços e peculiaridades que serão corrigidos na próxima temporada, é uma ótima aventura animada que você não deve perder.
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